Sempre achei que a mais-valia da gastronomia do Porto (e arredores) estava na cozinha tradicional. Achei e acho. Nos últimos 15/20 anos assistiu-se à entrada da cozinha dita de autor e nos últimos 4/5 ela massificou-se. Como em muitos casos de massificação, não correu bem a todos os aventureiros. Hoje em dia é frequente ver restaurantes abrir e fechar em seis meses, chefs rodarem de uma casa para outra noutros tantos meses e muitos negócios megalómanos com cozinhas ambiciosas espetarem-se contra a parede. Porque tal como a cozinha tradicional, é preciso ter mãos e ideias para fazer cozinha de chef. Por isso, quando se trata de pôr na balança as duas linhas de cozinha, no Porto, salvo algumas excepções (que têm vindo a aumentar em número ao longo do tempo), a tradicional pesa mais.
Daí que, quando me falam em restaurantes com cozinha de autor e técnicas modernas, quando começo a ver texturas, espumas e afins nos pratos (dou sempre uma espreitadela online antes de ir aos restaurantes), baixa em mim um lado mais desconfiado.
Foi nesse mood que entrei no Esquina do Avesso, Leça da Palmeira, ao lado do Largo do Castelo.
Em cima da mesa esperavam-me umas fatias de pão, um hummus com sementes de sésamo e azeitonas, aos quais, de imediato, a manteiga de cabra com pistáchios veio fazer companhia. Um bom quarteto. Fui na conversa do empregado, simpático, eficiente e conhecedor da ementa, e pedi quatro das cinco coisas que ele recomendou (as quatro diferentes das que tinha debaixo de olho). E por coisas entendem-se pratos para partilhar, que funcionariam igualmente em doses normais, mas aqui com tamanho de petiscos. Pedi, também recomendação, uma sangria de mojito tão boa e fresca que não me importava de beber todos os dias (mas cara, a valer: 18€).
Dos cinco pratos do avesso, como lhes chamam, ordeno do médio para o melhor. Com algum óleo da fritura, as gambas kataifi (uma massa em fio que enrola o marisco), para molhar em maionese de wasabi e lima e molho agridoce; muito aromatizada a moqueca do mar, cheia de sabor, com um molho ligeiramente espesso, com mexilhão, amêijoa vietnamita (a única falha), mas muitíssimo bem apurado; bom o tataki de atum braseado com puré de grão e um caldo de miso, o atum bem fresco e apenas cozinhado nas bordas, como deve ser; muito bom o tártaro de boi, na receita original do bife tártaro, com pimenta, molho inglês, pickles, uma gema de ovo para rebentar ao lado, a trazer uma bolacha de tinta de choco também muito boa; excelente a lasanha de pato, com folhas de raiz de aipo a fazer as vezes da massa, o pato saboroso, muito desfiado e tenro.
Na mesma linha de qualidade estavam as sobremesas, verdadeiras peças de encher o olho. Primeiro as texturas de framboesa, uma ideia de escola de cozinha, mas nem sempre bem executada. Aqui surpreendeu. Trazia gelado, suspiro, framboesa fresca, mousse. Boa e fresca. Depois o quindim, em fatia generosa, com um brigadeiro de coco, gelado de maracujá e goiabada na base.
No final, voltei a acreditar nas tais excepções de cozinha de autor que têm aparecido na cidade. E que merecem saber que têm traçado um bom caminho – no caso, o chef Nuno Castro parece estar a fazer um bom trabalho. Há afinações necessárias aqui e ali, mas no geral a comida estava boa, bem confeccionada e, sobretudo, com alguma criatividade. E preços? Uma média de 35€ à cabeça. Podia ter sido menos, não fosse a sangria escorregar que nem suminho.